terça-feira, 04 de mar de 2025
O Brasil celebrou uma conquista inédita no cinema com a vitória de “Ainda Estou Aqui” no Oscar de Melhor Filme Internacional. O longa, dirigido por Walter Salles, garantiu a primeira estatueta da categoria para o país, após competir com A Garota da Agulha (Dinamarca), Emilia Pérez (França), A Semente do Fruto Sagrado (Alemanha) e Flow (Letônia). A premiação foi entregue pelo ícone do cinema Penélope Cruz.
Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filme narra a trajetória de Eunice Paiva, advogada e ativista, que passou décadas buscando respostas sobre o desaparecimento de seu marido, o ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado durante a ditadura militar no Brasil.
Discurso Emocionado e Reflexão Sobre a Democracia
Ao receber o prêmio, Walter Salles dedicou a vitória à protagonista da história real e às atrizes que deram vida a Eunice Paiva:
“Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber isso de um grupo tão extraordinário. Isso vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande num regime tão autoritário, decidiu não se dobrar e resistir… Esse prêmio vai para ela: o nome dela é Eunice Paiva. E também vai para as mulheres extraordinárias que deram vida a ela: Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.”
Mais tarde, na sala de imprensa, o diretor destacou a relevância política do filme e alertou sobre a fragilidade da democracia, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
“Os jornais perceberam que este era um filme que quebrava a barreira do sistema político binário no Brasil e oferecia um reflexo da nossa história. Vivemos um momento em que a memória está sendo apagada como um projeto de poder, então criar memória é extremamente importante. A democracia está se tornando frágil em todos os lugares do mundo.”
Salles também fez questão de homenagear Caetano Veloso, Erasmo Carlos e outros artistas cuja música deu significado a diversas cenas do filme.
Brasil Comemora e Fernanda Torres Se Destaca
Mesmo sem levar a estatueta de Melhor Atriz, Fernanda Torres se tornou um dos grandes nomes da noite. A categoria foi vencida por Mikey Madison (Anora), que se tornou uma das mais jovens ganhadoras do prêmio. Após a cerimônia, Fernanda cumprimentou Madison carinhosamente e, segundo o prefeito do Rio, Eduardo Paes, deve desfilar no Desfile das Campeãs no sábado na Sapucaí.
“Ela vai, nem que eu tenha que ir buscar em casa.” – afirmou o prefeito.
Parte do elenco de “Ainda Estou Aqui” já acompanhava a premiação direto do Sambódromo do Rio de Janeiro, e, como era de se esperar, os brasileiros celebraram a vitória como se fosse final de Copa do Mundo.
Impacto Cultural e Outros Destaques do Oscar 2025
O grande vencedor da noite foi “Anora”, que levou cinco das seis estatuetas a que foi indicado, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor (Sean Baker), Melhor Montagem e Melhor Roteiro Original. A marca iguala o recorde de Walt Disney como maior número de Oscars ganhos por um indivíduo em um único ano.
Entre os outros premiados:
- “O Brutalista” deu o segundo Oscar a Adrien Brody, além de vencer em Fotografia e Trilha Sonora.
- “Conclave” venceu Melhor Roteiro Adaptado.
- Kieran Culkin levou Melhor Ator Coadjuvante por “A Verdadeira Dor”.
- “Flow”, concorrente de “Ainda Estou Aqui”, garantiu à Letônia seu primeiro Oscar ao vencer Melhor Animação.
- “No Other Land (Sem Chão)”, documentário produzido por um coletivo israelo-palestino, venceu Melhor Documentário, reforçando a discussão sobre os conflitos em Gaza.
Histórico do Brasil no Oscar
Antes de “Ainda Estou Aqui”, nenhuma produção 100% brasileira havia conquistado o Oscar de Melhor Filme Internacional. O país já havia sido indicado algumas vezes, começando com “O Pagador de Promessas” (1963), seguido por “O Quatrilho” (1996), “O Que É Isso, Companheiro?” (1998) e “Central do Brasil” (1999), este último com Fernanda Montenegro disputando Melhor Atriz, mas perdendo para Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado).
O longa brasileiro com mais indicações ao Oscar segue sendo “Cidade de Deus” (2004), que concorreu a quatro categorias nobres: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Edição.
O Brasil também já disputou a categoria de Melhor Animação com “O Menino e o Mundo” (2016) e de Melhor Documentário com produções como “Lixo Extraordinário” (2011), “O Sal da Terra” (2015) e “Democracia em Vertigem” (2020).
Repercussão e Piada Polêmica Durante a Cerimônia
A apresentação do Oscar deste ano foi comandada por Conan O’Brien, em sua estreia como anfitrião. Apesar de uma cerimônia menos politizada do que o esperado, uma piada feita pelo comediante sobre o filme brasileiro causou reação negativa entre internautas.
“Ainda Estou Aqui é sobre uma mulher que segue em frente sozinha após o desaparecimento do marido. Quando minha esposa assistiu, ela disse que foi o filme mais inspirador do ano.”
A declaração gerou críticas nas redes sociais, sendo considerada de mau gosto para um filme que trata de uma história real e trágica da ditadura militar no Brasil.
Um Marco Para o Cinema Nacional
Com a vitória histórica de “Ainda Estou Aqui”, o cinema brasileiro alcança um novo patamar no cenário internacional. O Oscar de Melhor Filme Internacional não apenas reconhece a qualidade da produção, mas também reforça a importância de narrativas que resgatam a memória do país e promovem reflexões sobre a história e a democracia.
A conquista já entra para os anais do cinema nacional como um dos momentos mais importantes da trajetória do Brasil no Oscar.