‘ESCRAVIZADOS DO VINHO’: Os relatos chocantes dos trabalhadores resgatados

  03 de março de 2023
Fabiano Santos por Fabiano Santos

Ficar sem comer por períodos de até dois dias, receber comida estragada e apanhar se reclamasse, trabalhar até 14 horas por dia, ter valores descontados do salário sem justificativa e não ter nem sequer papel higiênico ao usar o banheiro. Tudo isso fazia parte da rotina dos 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, na semana passada.

Depoimentos aos quais a reportagem do Estadão Conteúdo teve acesso revelam condições de trabalho degradantes e agressões físicas contra quem se insubordinasse.

Os relatos foram repassados, a pedido do Estadão, pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os trabalhadores, em sua maioria moradores da Bahia, não tinham dinheiro para irem embora, pois os empregadores controlavam suas finanças.

TRABALHADORES EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS

Contratados por uma empresa terceirizada, eles prestavam serviços nos parreirais para colheita de uvas nas vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, que alegaram não saber das irregularidades.

O proprietário da Fênix Serviços de Apoio Administrativo, Pedro Augusto de Oliveira Santana, chegou a ser detido, mas foi liberado após pagar fiança de quase R$ 40 mil.

Em nota à imprensa, a defesa afirma que “qualquer conclusão neste momento é meramente especulativa e temerária, uma vez que os fatos e as responsabilidades devem ser esclarecidas em juízo”.

“Manifestamos total respeito às instituições e nos colocamos à disposição da Justiça para todos os esclarecimentos necessários, colaborando no que for necessário para o restabelecimento da verdade e principalmente do bem-estar de todos os envolvidos.”

O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) deu prazo de dez dias para que as vinícolas apresentem documentos e mostrem a relação entre elas e a terceirizada.

Os nomes dos resgatados não foram divulgados. Leia o que o contaram:

Empregado 1, de 36 anos, da Bahia:

Viajou de Salvador para trabalhar na colheita de uva em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Ele não recebeu valor algum do salário de janeiro de 2023 e foi informado de que tinha dívida de R$ 700 com o dono da pensão onde ficou hospedado e devia mais R$ 200 de mercado.

A comida servida todos os dias era fria e, por várias vezes, ele e os colegas receberam comida azeda. Quem reclamasse da comida apanhava com tapas, socos e cabo de vassoura. Ele chegou a ficar dois dias inteiros sem receber alimentação.

Empregado 2, de 44 anos, da Bahia:

Ele e os colegas saíam para trabalhar entre 4h30 e 5h, e as quentinhas eram levadas junto com eles no transporte matinal. Na hora do almoço, a comida já estava fria e não tinha onde aquecer. Para piorar, muitas estavam com gosto bastante azedo.

Quando voltavam do trabalho, entre 19 e 20 horas, a comida já tinha sido deixada no alojamento e tinha geralmente um aspecto péssimo. Normalmente estava fria e, de vez em quando, azeda. Quando isso acontecia, um colega preparava uma merenda para eles “enganarem” o estômago.

Era normal trabalhar 14 horas por dia, sem receber horas extras ou adicional. Quando foi resgatado, ele ainda devia R$ 100 no mercado.

Ele e os demais trabalhadores trabalhavam sem descanso de domingo a sexta-feira, só folgando no sábado. Além do trabalho sofrido e do alojamento muito ruim, ele recebeu uma única bota e um par de luvas. Quando precisava usar o banheiro ficava em uma situação humilhante, pois não era fornecido papel higiênico.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site