Enfermeiros aguardam piso salarial, um ano após Emenda Constitucional

  24 de julho de 2023
Fabiano Santos por Fabiano Santos

Os quase 3 milhões de profissionais da enfermagem no Brasil acompanham há um ano as sucessivas decisões sobre o pagamento do piso salarial para a categoria. Embora o julgamento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido favorável ao reajuste com valores fixos para todo o país, o impasse permanece entre representantes da rede privada e as secretarias de saúde. Para o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), no entanto, a decisão é clara: “o pagamento do piso salarial é o primeiro reconhecimento público recebido pela categoria”.
Quem afirma é o conselheiro federal Daniel Menezes, enfermeiro concursado do Grupo Hospitalar Conceição, no Rio Grande do Sul. Para ele, o cumprimento ao piso é a correção de uma injustiça histórica com a categoria, e tanto a rede pública quanto a rede privada têm condições de arcar com os custos. De acordo com levantamento do Cofen, nos últimos dois anos, o setor privado de saúde teve um incremento de 20% na arrecadação.
“Para a rede privada, o impacto do piso salarial vai ser de cerca de 4% desse mercado. É preciso entender que tendo enfermeiros satisfeitos e bem remunerados, vai haver um aumento geral de ganhos também”, explica o conselheiro.
Impactos nas contas
Para os sindicatos patronais, a situação parece ser mais complicada. De acordo com a superintendente do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas (SBH), Danielle Feitosa, o aumento na folha salarial das empresas de saúde vai ser insustentável. “Para se ter uma ideia do impacto, com a aplicação da nova lei, somente para os técnicos de enfermagem haveria um aumento de mais de 141% do valor nominal, fora todas as gratificações e benefícios”, conta. “Não há empresa de saúde que consiga suportar tamanho aumento da folha salarial”, completa a superintendente, apontando eventuais riscos às instituições privadas.
Atualmente, o piso pago aos profissionais da enfermagem é definido em convenções coletivas locais. No Distrito Federal, os valores vigentes para a rede privada são de R$ 2.000 para enfermeiros e R$ 1.376 para técnicos. Após aprovação da Lei Federal nº 14.434/2022, com projeto de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), os valores foram fixados em R$ 3.325 para técnicos e R$ 4.750 para enfermeiros, neste caso, um aumento de 137,5%.
Apesar das decisões favoráveis, hoje, nenhum hospital privado do DF cumpre o piso salarial da enfermagem, segundo o SBH. Nos estados brasileiros, a situação não é diferente para a saúde da rede privada. De acordo com o diretor jurídico do sindicato patronal Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Marcos Vinícius Ottoni, as instituições de todos os estados ainda não se adequaram à nova realidade.
Para Ottoni, caso a decisão do STF não seja revista, a posição da Confederação é de que hospitais, clínicas, laboratórios e casas de saúde busquem o acordo coletivo com os enfermeiros para que se chegue a um novo valor, evitando riscos de demissão. “Nossa orientação é de que seja feita a negociação com a categoria. Não chegando a um acordo, serão feitos ajustes necessários para dar conta do piso”, afirma. “Podemos ter demissão em massa na categoria e substituição de enfermeiros por profissionais com outras qualificações”, complementa. Segundo o CNSaúde, a decisão pode chegar a 300 mil demitidos em todo o país, especialmente porque, de acordo com Ottoni, os sindicatos não estão dispostos a negociar.
De fato, a orientação do Cofen é de que não reduzam os valores estabelecidos em lei. “Nós não recomendamos a negociação para menores salários”, sustenta Menezes. Para ele, o setor privado terá de lidar com as possíveis perdas: “Esse mercado quer ganhar cada vez mais e não quer perder nem R$ 1 para valorizar a enfermagem”.
Defesa do piso
Mesmo com tanta polêmica sobre as possíveis consequências da efetivação legal do piso, o senador Fabiano Contarato se define como “ferrenho defensor” da causa e explica que a bandeira é fruto dos esforços exercidos pela categoria durante a pandemia. “Esse projeto (que deu origem à Lei Federal nº 14.434/2022) é de 2020, quando o Brasil lutava contra a pandemia de covid-19 e os índices de mortes só subiam. Na linha de frente das instituições de saúde de todo o país, os profissionais da enfermagem arriscaram a própria vida diariamente para salvar o próximo”, pontua.
O senador concorda com a visão do Cofen de que o pagamento do piso é uma reparação histórica para os enfermeiros. “É o reconhecimento de uma categoria que vem almejando por dignidade há décadas”, diz Contarato.
Outro defensor notório do piso nacional da enfermagem é o ex-BBB Cezar Black. Enfermeiro do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Black ajudou a popularizar o tema ao levar a realidade da enfermagem à TV, em rede nacional. Presente na assinatura do Projeto de Lei da Enfermagem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-BBB se diz entusiasmado com as decisões favoráveis ao piso. “A enfermagem sempre foi a minha vida e contribuiu para me tornar o homem que sou hoje”, diz.
“Mesmo sendo a classe de maior presença nas unidades de saúde, ainda não é devidamente valorizada pela população e menos ainda pelos gestores. O piso salarial vai trazer além de valorização salarial, dignidade e qualidade de vida pra uma classe que trabalha integralmente cuidando de pessoas e salvando vidas”, defende Black.
Saúde pública
Para a rede pública de saúde, o pagamento do piso salarial da enfermagem está condicionado ao repasse de verbas da União para os estados, municípios e entidades que mantêm contrato com o poder público, conforme decisão do STF. Em maio deste ano, R$ 7,3 bilhões em créditos suplementares foram autorizados pelo presidente Lula para o custeio do piso, destravando o impasse jurídico sobre a questão.
Mesmo com a liberação dos recursos, a ressalva feita pelo STF vem no sentido de que o valor pode ser insuficiente para arcar com os custos públicos. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.222, impetrada pela CNSaúde, o ministro Luís Roberto Barroso pontua que informações contidas nos autos dão conta de que o impacto financeiro, somente para os municípios, seria de R$ 10,5 bilhões no primeiro ano, valor muito superior ao aprovado para a efetivação do pagamento.
O Ministério da Saúde, no entanto, garante que os valores serão pagos no próximo contracheque. Em nota, a pasta afirma que o pagamento será retroativo a maio e feito em nove parcelas. O valor total a ser destinado ainda não foi divulgado.
Para os estados, a posição é de cautela. O Correio procurou as Secretarias de Saúde dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal e, até o fechamento desta edição, as secretarias do Ceará, DF, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo disseram aguardar definição dos repasses do governo federal para dar início ao pagamento. As demais não responderam.

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